As transformações
ocorridas no processo educacional brasileiro, seus reflexos e
influências na atualidade.
Maurenilce Lemes da
Silva [1]
RESUMO: O presente
artigo - “As Transformações Ocorridas No Processo Educacional
Brasileiro, seus Reflexos e Influências na Atualidade” - traz
um breve contexto histórico sobre a educação de Jovens e
adultos – EJA no contexto brasileiro. Os objetivos são refletir
sobre a evolução da educação destinada a este público de
aprendizes, aos quais foi negado o direito à educação por muito
tempo; discutir sobre o índice de adultos não alfabetizados,
conforme os dados dispostos pelo IBGE (2006); tratar sobre as
políticas públicas destinadas à educação de jovens e adultos.
A metodologia utilizada é a pesquisa bibliográfica com
fundamentos nas leis e diretrizes para a EJA, bem como, Paiva
(2007), Freire (1997), Decreto 53.886 (de 14/04/1964), Parecer nº
11(de 05/2000/CNE), Resolução Nº 180 (2000/CEE), entre outros.
PALAVRAS-CHAVE: EJA. Histórico.
Política.
1. Introdução
Considerando nossa
prática no acompanhamento de escolas que atendem a educação de
jovens e adultos – EJA, buscamos compreender como o Brasil
pensou essa modalidade de ensino. Para tanto, construímos um
breve contexto histórico sobre a modalidade, cujos objetivos são
refletir sobre a evolução da educação destinada a este público
de aprendizes, aos quais foi negado o direito à educação por
muito tempo; discutir sobre o índice de adultos não
alfabetizados, conforme os dados dispostos pelo IBGE (2006);
tratar sobre as políticas públicas destinadas à educação de
jovens e adultos.
A metodologia
utilizada é a pesquisa bibliográfica com fundamentos nas leis e
diretrizes para a EJA, bem como, Paiva (2007), Freire (1997),
Decreto 53.886 (de 14/04/1964), Parecer nº 11(de 05/2000/CNE),
Resolução Nº 180 (2000/CEE), entre outros.
2. Alfabetização de
Jovens e Adultos no Brasil
O Brasil é o país
latino americano que possui o maior índice de analfabetismo,
apresentando taxas bem mais elevadas de países com perfil
educacional ou nível de desenvolvimento econômico similares. Em
2006, mais de 65 milhões de jovens e adultos não possuíam o
ensino fundamental e 14,3 milhões são analfabetos absolutos
(IBGE 2006). Essa realidade configura-se e insiste em permanecer
como perfil negativo da realidade brasileira. Ainda em 1872, o
recenseamento brasileiro constatou 82,3% de analfabetos,
encontrados na mesma proporção pelo senso de 1890, após a
proclamação da República. De acordo com os dados estatísticos
do IBGE, “a realidade da demanda potencial de EJA é tão grande
que ultrapassa a do próprio ensino regular. Ademais, repete-se
nesta modalidade de ensino a seletividade e a exclusão, ambas as
características históricas da escola e da modalidade” (PAIVA,
2007, p. 11).
Desta maneira, os
dados apresentados nas estatísticas do IBGE (2006) revelam que
foram inúmeras iniciativas das políticas públicas para a
alfabetização de jovens e adultos, mas não suficientemente
efetivas para amenizar o caótico quadro de escolarização de
pessoas que, por algum motivo, a quem foi negado o direito à
educação. Assim, negando-lhe o processo de construção social,
econômica, política e cultural. Porém a persistência dos
projetos para a educação proporcionou avanços significativos na
história educacional. Neste sentido, buscaremos destacar algumas
situações vivenciadas no Brasil referente à EJA, fruto das
sequelas de nosso passado histórico.
No Brasil Colônia,
surgiram os primeiros vestígios da educação de adultos com os
jesuítas visando à catequização e instrução de adultos e
adolescentes nos ofícios necessários à manutenção da economia
colonial, através de trabalhos manuais, ensino agrícola,
distanciando da leitura e escrita. Os objetivos dessa educação
diferenciavam nos grupos sociais, pois o poder e o saber
constituíam-se em privilégios das classes economicamente
homogêneas. Essas ações foram interrompidas com a expulsão dos
jesuítas pelo Marquês de Pombal retornando somente no período
imperial.
No Império, surge o
Decreto Nº 7031 de 06/09/1878, determinando a criação de cursos
noturnos para adultos analfabetos nas escolas públicas de
educação elementar, para o sexo masculino da corte. Mulheres,
crianças e escravos não tinham acesso à escolarização.
No Período
Republicano, a alfabetização e a instrução básica
destacavam-se nos discursos de políticos e de intelectuais que
caracterizavam o analfabetismo vergonha nacional e
responsabilizava a alfabetização o poder da elevação moral e
intelectual do país e de regeneração dos menos favorecidos
(brancos pobres, índios e negros libertos), a luz do povo e
disciplinamento das camadas populares incultas e incivilizadas,
porém foram insignificantes as ações no desencadeamento da
ampliação de atendimento à educação a mais da metade da
população considerada analfabeta.
Em 1910, surgiram as
“LIGAS” como iniciativas de alguns grupos sociais que se
organizaram em favor do grande número de analfabetos. Após
Revolução de 1930, a educação básica de adultos começou a se
configurar na educação brasileira através de um sistema público
de educação elementar. Em meio ao processo de industrialização
e ocupação populacional em centros urbanos, a oferta de ensino
gratuito ampliou acolhendo os diversos setores sociais. Marco
fundamental nesse período foi a Constituição Federal de 1934,
assegurando a educação como direto de todos e deve ser
ministrado pela família e poderes público, nesse sentido o
governo federal traçou diretrizes educacionais determinando as
responsabilidades dos estados e municípios.
O Plano Nacional de
Educação – PNE assegurava a difusão do ensino técnico
profissionalizante como meio de instrumentalizar e qualificar mão
de obra às necessidades da indústria e do comércio. Foi fundada
a Cruzada Nacional da Educação (1932) em combate ao
analfabetismo, considerado o maior problema da nação.
A Era Vargas,
ditadura do Estado Novo, a Educação de Adultos (EAD), foi
tomando corpo e constituindo-se como política educacional,
estendendo a educação elementar aos adultos. E no final da
ditadura de Vargas (1945), em plena efervescência política da
redemocratização e final da Segunda Guerra Mundial contribuíram
para que a educação de adulto ganhasse destaque na consolidação
da educação elementar comum.
As primeiras
políticas públicas nacionais destinadas à escolarização dos
jovens e adultos foram implementadas a partir de 1947, quando se
estruturou o Serviço de Educação de Adultos do Ministério da
Educação e Cultura MEC e teve início a Campanha de Educação
de Adolescentes e Adultos – CEAA, como uma ação extensiva que
previa a alfabetização em 3 (três) meses e mais a condensação
do curso primário em dois períodos de 7 (sete) meses,
posteriormente foi focada na capacitação profissional e ao
desenvolvimento comunitário, além de outras campanhas que não
tiveram sucesso. Inspiradas no fracasso das iniciativas
comunitárias em zonas rurais (1950) as campanhas se extinguiram
antes do final da década, sobrevivendo algumas escolas de ensino
supletivo, mas disseminadas em algumas regiões do país.
As Campanhas de
Educação de Adultos alimentaram a reflexão e o debate em torno
do analfabetismo do Brasil e as fortes críticas à discriminação
através das idéias preconceituosas onde responsabilizava o
analfabetismo como causa e não e efeito da situação econômica,
social e cultural do país, creditando à visão do adulto
analfabeto como incapaz e marginal. Essa idéia não perdurou
muito tempo devido aos pensamentos e teorias mais modernas da
psicologia.
Foi difundido o
método “Laubach” (método de ensino de leitura para adultos),
inspirando o MEC a produzir material didático específico,
conduzidos pelo método silábico. O final da década de 50 foi
marcado por fortes críticas às campanhas de educação de
adultos por sua superficialidade de aprendizagem que se efetivava
num curto período de tempo além da inadequação dos programas
ignorando os saberes dos alfabetizando adultos.
No início dos anos
60, a alfabetização de adultos compôs metas de ampliação das
bases eleitorais e sustentação políticas das reformas de
governo. As mudanças políticas e sociais favoreceram novas
experiências educacionais impulsionadas pelos movimentos de
educação e cultura popular, inspiradas na sua maioria pela
pedagogia freiriana. Vários grupos de educadores apoiados por
intelectuais, artistas e administrações municipais pressionaram
o governo federal garantindo o apoio e o estabelecimento de uma
coordenação nacional das iniciativas educacionais. Após a
renúncia do presidente Jânio Quadros, período de grande
instabilidade política, inclusive transição à Democracia
acrescida por novas ideologias, como iniciativa federal foi
promulgada a Lei 4.024 de 20/12/1961 determinando uma série de
mudanças na situação atual. O novo governo pretendia erradicar
o analfabetismo entre os brasileiros até 23 (vinte e três) anos
e universalizar o ensino primário até 1970.
Paulo Freire
(1920-1997) figura de destaque nesse contexto, contrapôs a idéia
que concebia o analfabetismo como causa e não efeito da situação
econômica e cultural do país e sim como produto das estruturas
sociais desiguais, portanto, efeito e não causa da pobreza, o
princípio básico de sua proposta de alfabetização era “a
leitura de mundo precede a leitura da palavra”, essa ideologia
incorporava a proposta de trabalho através das palavras, temas
geradores. Reconhecia o analfabeto como portador de
cultura, conhecimento, e esse conhecimento era o ponto de partida
da prática educativa. Para ele a educação teria o papel de
libertar os sujeitos de uma consciência ingênua, transformando-a
em consciência crítica.
Aprovado o Plano
Nacional de Educação – PNE (extinto pelo Decreto 53.886 de
14/04/1964), interrompido poucos meses depois pelo golpe militar
(1964), seu objetivo era a disseminação dos programas de
alfabetização por todo o país seguindo o método de Paulo
Freire. Esses programas foram vistos pela Ditadura como grave
ameaça pública abatendo-se a repressão sobre seus seguidores,
levando Paulo Freire ao exílio no Chile, onde continuou a
trabalhar com a educação. No exílio escreveu suas maiores obras
que o tornou conhecido em todo o mundo.
Em 1996 o governo
retomou o problema com o apoio a Cruzada ABC – Associação
Básica Cristã. A igreja que sempre teve grande influência nas
decisões políticas, econômicas e sociais deixa de priorizar a
educação como privilégios das elites preocupando-se com a
educação das massas.
Após o período e
repressão política aos programas de alfabetização e educação
popular o governo cria o Movimento Brasileiro de Alfabetização –
MOBRAL através da Lei 5.370 de 15 de novembro de 1967 para
controlar as iniciativas.
O rádio foi
importante instrumento na difusão da educação popular. O
cinema, as artes plásticas e a Filosofia também tiveram suas
contribuições no cenário da educação brasileira.
Com a reforma do
ensino em 1971, a escolarização de jovens e adultos ganhou a
identidade de ensino supletivo. O MOBRAL espalhou-se por todo o
território nacional com um funcionamento muito centralizado, não
conseguiu atingir sua meta na erradicação do analfabetismo
durante a década de 70. Em plena transição à Democracia, ele
foi extinto substituído pela Fundação Educar. Como fruto do
MOBRAL, o Programa de Educação Integrada – PEI teve
considerável repercussão, na condensação do ensino primário
possibilitando a continuidade dos estudos dos recém alfabetizados
e das demais pessoas que dominavam precariamente a leitura e a
escrita. Com pouca atenção do governo o ensino supletivo foi
estigmatizado como ensino de baixa qualidade.
Grupos dedicados a
educação popular orientados por valores de justiça e equidade,
vinculados a construção da democracia continuaram a realizar
experiências pequenas e isoladas, filiadas à concepção
freiriana, estas foram fecundas, pois resultou num grande legado
que influenciou a ampliação da cidadania como também nova
configuração dos programas desenvolvidos em parcerias entre
governos e organismos civis, construindo canais de trocas de
experiências, reflexão e articulação, avançando no trabalho
com a língua escrita, além das operações matemáticas básicas
(anos 80).
A Constituição de
1988 restituiu o direito de votos aos analfabetos, em caráter
facultativo; concedeu aos jovens e adultos o direito ao ensino
fundamental público e gratuito e comprometeu os governos com a
superação do analfabetismo e a provisão do ensino elementar
para todos. A transição de governo à Democracia favoreceu entre
outros, compromissos de âmbito internacional como a Conferência
Mundial de educação para todos realizada em Jomtien, Tailândia,
1990, onde vários países e organismos internacionais
estabeleceram ações de cunho educativo.
As atuais
conjecturas políticas e econômicas priorizaram a educação de
crianças e adolescentes, relegando a educação de jovens e
adultos a segundo plano apesar da intenção de erradicação do
analfabetismo em 10 anos; o Programa Nacional de Alfabetização e
Cidadania, programas Alfabetização Solidária ou Movimento da
Alfabetização – MOVAS, Alfabetização Solidária (1998-2002)
foram iniciativas criadas após a extinção da Fundação educar.
Com a reforma da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDBEN 9394/96,
assume ao público de jovens e adultos inscritos na Modalidade de
Educação Básica modos próprios às características desses
sujeitos que implicaram grandes desafios aos governos de acordo
com a Lei 10.172/2001, que institui o Plano Nacional de Educação
– PNE.
Fica assegurado o
direito de aprender por toda a vida, verdadeira essência da EJA,
na V Conferência Internacional de Educação de Jovens e Adultos
– CONFITEA, realizada em Hamburgo na Alemanha em 1997 que prevê
metas em prol de uma sociedade educada mais justa e igualitária a
serem realizadas no período de 12 anos. A VI CONFITEA foi
realizada aqui no Brasil em Belém/Pará.
A partir de 1998,
realizaram-se os Encontros Nacionais de Educação de Jovens e
Adultos – ENEJAS, com o objetivo de aprofundar o cenário de
mudanças, chamando a atenção da Educação de Jovens e Adultos
- EJA como direito e os Fóruns com a perspectiva de trocar
experiências, discutir políticas para a modalidade e contribuir
com os municípios que ainda não tem organização própria.
A Resolução Nº
75/90 do Conselho Estadual de Educação – CEE assegura
importante conquista à modalidade legitimando aos alunos o
ingresso no Ensino fundamental através da classificação,
eliminando a obrigatoriedade da apresentação de comprovante de
escolaridade.
Com a intenção de
definir e assegurar o atendimento às especificidades da
clientela, destacando-se as Funções: Reparadora, Equalizadora e
Qualificadora criou-se o Parecer Nº 11 de 05/2000/CNE e a
Resolução Nº 180/2000/CEE fixando normas para a EJA no sistema
estadual de ensino e outras normativas com a função de melhorar
e legitimar o direito a uma grande parcela da sociedade que foi
excluída do seu direito fundamental.
O terceiro milênio
traz novas perspectivas para a modalidade na agenda das políticas
nacionais, entre elas o Programa Brasil Alfabetizado (2003) e a
progressiva inclusão da modalidade ao Fundo de Financiamento da
Educação Básica – FUNDEF, Lei 11.494/2007 e Emenda
Constitucional nº 53 e mais recentemente a Resolução nº 03 de
15/06/2010 que está causando grande inquietude entre os
profissionais e alunos inclusos à modalidade, enaltecemos tanto o
diálogo e nas tramitações legais ele inexiste sendo que esta
resolução determina sérias mudanças podendo comprometer a
qualidade do ensino (aligeiramento, supletivação...),
dificuldades na continuidade dos estudos, onde o município não
tiver condições de gerenciar o 1º Segmento e grande preocupação
aos CEJAS. Sujeitos ao risco de retroceder aos avanços das
legislações vigentes várias iniciativas de discussões,
reflexões estão sendo em todas as instâncias que ofertam a
modalidade.
São inúmeras as
iniciativas contempladas na década da alfabetização
(2003-2012), nas três esferas do governo. Destacamos a nível
estadual, a elaboração das Orientações Curriculares para a EJA
pela Secretaria de Educação, com restrita e tímida participação
dos profissionais que nela atuam. Outro destaque a ser evidenciado
é a criação dos Centros de EJA – CEJAS como espaço que
prioriza o atendimento à clientela propiciando tempo e espaços
que respeitem as especificidades de cada um através da
dialogicidade e da construção coletiva. Ressaltamos também a
preocupação desses indivíduos ao mercado de trabalho dentro da
pedagogia da alternância e da sociedade sustentável como é o
caso da Educação Profissional Integrada a Educação Básica na
Modalidade da Educação de jovens e Adultos – PROEJA.
3. Considerações Finais
Refletindo a
trajetória histórica da EJA marcada pela desigualdade política,
social e econômica, sempre a serviço das classes dominantes
através de suas inúmeras iniciativas, rechaçadas de fracassos,
ainda temos nos dias atuais uma sociedade com um grande
contingente de analfabetos e nos cursos ofertados a discrepância
dos conteúdos e metodologias trabalhadas com o real interesse e
necessidade do público alvo, tanto é que, a evasão permanece em
elevados índices e uma variedade de questionamentos em relação
a qualidade, porém o maior agravante é a falta de políticas
contínuas que de fato atendesse as especificidades da modalidade.
Outra fragilidade que se perpetua na biografia da educação aos
jovens e adultos é a precária formação profissional. Esta deve
ser compreendida não como um custo financeiro, mas como
investimento institucional, social e econômico da sociedade, pois
esses investimentos serão benéficos a todos os segmentos
sociais. Os profissionais devem estar em constate aperfeiçoamento,
pois de seu conhecimento e de sua prática depende a formação
desses cidadãos e cidadãs.
Desta maneira,
muitos desafios devem ser superados, inclusive o estereótipo de
educação de baixa qualidade, supletivação, aligeiramento etc.
Quadro que só mudará através de políticas públicas sérias,
sem que a atribuição de culpas e culpados seja o centro dos
debates, mas direcionados à construção tão necessária e
sonhada de uma sociedade, aonde todos têm direitos iguais, a
complexidade humana respeitada e valorizada.
4. Referências
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